sexta-feira, 24 de junho de 2011

24 de Junho

‘foi numa noite igual a esta
que tu me deste o teu coração’

[http://youtu.be/A3Df_soN_O8]

Só uma coisinha pra embalar esse dia de pós-festa... J


quando vem o dia seguinte
e o orvalho de junho belisca as brasas da fogueira
e o último acorde da sanfona se apaga no tempo
e os bêbados se conformam com o fim da festa
e as bandeirinhas tremulam tristes, desbotadas,
e o mistério do chiado da chinela abandona
e o quintal mergulha na quentura do vazio
e o suor da camisa xadrez já secou
e os pés latejam com saudade da quadrilha
e eu procuro o cheiro do milho onde não há
e a pele se arrepia com o sol se impondo aos poucos
e o olhar da minha avó se arretira pra dormir
e o vento já carrega a poeira dos casais pra fora do salão
e o barulho diário, quase julho, quer invadir
e os santos rezam, não mais dançam
e a voz de Luiz Gonzaga já calou no som da casa
e o sal do teu cangote já se apaga em minha boca
e a lembrança do beijo já se quer esvair
e a chuva de São José se transforma de novo em esperança
e o silêncio se faz lembrar existente
e eu observo o mundo acordar para o que existe
e vejo que o mundo chora.

quando chega o dia seguinte é quando
nasci e ontem morri.



quarta-feira, 15 de junho de 2011

des petites chansons pour les quatre saisons

‘no inverno te proteger 
no verão sair pra pescar
no outono te conhecer
primavera poder gostar’
[http://youtu.be/Hrff717FbgU]


                Alcançando a mudança de estação aqui por esses lados (calor >>> chuva), escrevi esses tercetitos no ônibus, no celular. Teve quem recebesse-os feito SMS J No mais, é um projeto de qualquer coisa. Espero que gostem – e comentem!


I
o barulho das folhas secas sob os pés
é nada não
 - é o outono mastigando nossos passos –

II
o inverno é o freio frio
do trem que nunca atrasa
da estação que nunca acaba.

III
primavera
é Vivaldi
sobre tela

IV
o som da solidão
é a andorinha só
no fim do verão.








domingo, 12 de junho de 2011

13 de Junho

‘gosto do Pessoa na pessoa’
[Caetano Veloso]

                Não consigo nem acreditar que comecei essa postagem citando Caetano e não Pessoa, Fabíola vai me matar!, rs

                Hoje é 13 de Junho - pelo menos aqui em casa, não sei o que deu no relógio do Blogspot. Hoje nascia um e nascia mil e nascia vários poetas num só. Hoje é aniversário de Fernando Pessoa. Eu não sou nem lido tanto das pessoas de Pessoa, mas seria impossível crescer onde cresci e falar a língua que falo sem jamais ter ouvido ou lido ‘tudo vale a pena / se a alma não é pequena’ ou ‘o poeta é um fingidor’. Por isso não poderia me escapar de lembrar-lhe nesta data. Fiz um desafio com meu amigo-crítico (às vezes mais amigo, às vezes mais crítico) Matteo, de escrever a Fernando um poema no tempo de quinze minutos. Posto hoje cá o meu.




pus o fingimento de lado. De que me valeria?
este é o dia em que me calo.
se me atrevesse hoje a por um verso que foste
seria nada menos que puro atrevimento
ousadia de quem nada tem a dizer.
a língua é tua, Fernando. Nasce. E fala!


Você pode ler uma série de poemas meus inspirados em Fernando aqui, aqui e aqui e pode ouvir de seus versos na voz de muita gente boa aqui.




quarta-feira, 8 de junho de 2011

tudo sobre ele

‘o que quer, o que pode essa língua?’
[Caetano Veloso]


                Eita, que as minhas postagens tão bissextas... É, c’est la vie des choses. Esse poema é novo, novinho, mas ficou em fermentação por semanas. Por isso que tá assim, enorme!, mas ainda vou dar uma enxugada nele :B Ele faz parte do meu projeto novo... Qualquer dia falo mais deste bendito. Espero que gostem!

 - em tempo!: esse aqui é um presente.


I
essa língua ainda é muito pouca pro meu desejo.
uma língua não me basta, nunca me vai bastar:
preciso beijar todas as palavras do mundo.

II
ele é ademais
ele é com certeza
ele é de fato
via de regra ele é
ele é uns
ele é assim assim
há-de
ele é no entanto
e contudo, e todavia
é inclusive
ele é em virtude
ele é?
tim-tim por tim-tim
ele é ninguém
ele é quiçá
antemão ele é
ele é data vênia
mediante
ele é dá-que
é portanto, é afinal
pois
ele é de propósito
ele é contumaz
quanto mais
ele é cujo
ele é &
ele é porquanto
d’outro
ele é as vezes de
ele é ainda por cima
ele é até-que
em suma ele é
ele é sem
ele é com efeito
ele é tampouco
porventura
ele é seu
pois sim
ele é meu
pois não
ele é mais
mas
e
não obstante
ele é sobretudo.

III
ele é muito pouco
pro tamanho da minha
vontade.