sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

de um profundo

'Behind joy and laughter there may be a temperament, coarse, hard and callous. But behind sorrow there is always sorrow. Pain, unlike pleasure, wears no mask.’
[Oscar Wilde]


                Saudade é uma palavra intrigante, não? Sempre figurando entre as dez mais difíceis de se traduzir, é algo bem próprio da nossa língua. E como eu já andava escrevendo sobre um vizinho seu, o amor, aproveitei-me de umas conversas recentes [de saudades e saudadinhas], do ‘de profundis’ do Wilde, da poesia de Manoel de Barros e, mais profundamente, d’uma canção do Caetano, ‘Peter Gast’. Quem tiver a chance de ler um pouco sobre essa canção, não a perca, é no mínimo fascinante. Enfim, espero que gostem  J


lembro-me bem do que dizia aquele filósofo esquisito cujo nome esqueci
quando vinha tomar café e passar tardes fingindo de companhia nos meus pensamentos.
ele dizia assim:
não me invente de sair por aí emanoelando palavras, rapaz!
a cada palavra deu-se um pôr-de-som, que deve ser respeitado.
assim como as pessoas prezam por suas próprias madrugadas,
quem pode passar a vida a admirar as palavras e seus sons
deve desenhar nos olhos o apreço de seus pôres.
 - mas como assim?, eu perguntava, porque toda a vida me fantasiei de perguntas.
o filósofo tinha paciência para explicações, só não para pessoas. e explicava.
a palavra aplauso, por exemplo. a palavra aplauso rebomba nos lábios,
é estridente desde sua intenção.
aplauso tem hora e lugar, o filósofo dizia, mas rebomba sempre, desde a alma da palma.
e pra cada palavra que eu me arvorasse de perguntar, o filósofo me apontava seu pôr-de-som.
a palavra canção, que se põe na garganta dos baianos
a palavra mulher, que se põe na boca dos que amam
a palavra justiça, que se põe no olho dos que não vêem
 - e a palavra saudade?
saudade é uma palavra rasteira, ele disse.
é rasteira e padece de não ter os pés no chão. 
o filósofo disse que não tratava desta palavra, pois que mal lidava com silêncios.
o pôr-de-som desta palavra era a saudade dele mesmo.
a saudade medieva os pôres-de-som.
a palavra aumentativa a dor dos homens.

o filósofo nunca mais voltou.



4 comentários:

  1. Lindo, seu moço, exatamente como a vida devia ser. Vejo paixão nas suas palavras.

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  2. saudade tem pôr-de-som choroso. também sou ruim de tratá-la. ao menos serve como garantia de que valeu a pena.
    mas ô danada mais danada!

    tá lindo, guguis. beijinho

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  3. também, po, oh a pergunta que tu faz pro bicho. eu teria desaparecido três vezes. só pra lhe deixar explícito tudo o que rodeia e vive na abstração da saudade!

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