segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

corpses

‘poesia é voar fora da asa’
[Manoel de Barros]
               
Sou da tese de que, nos nossos caminhos, já há tudo que esperamos e merecemos: amor, dinheiro, paz, saúde, sucesso, cerveja, poesia, amigos, família, descanso, trabalho. A nós, só falta luz. Luz pra que a gente veja essas boas coisas todas sem precisar tropeçar. É pensando nisso que fecho o ano cá na versorragia: esperando que 2012 seja uma tempestade de leveza nos corações de quem a busca! Saravá, tudo há-de dar certo.
O poema abaixo é, na verdade, parte integrante de um outro texto longo que ando escrevendo já faz uns dias. Hope you like it J
A postagem desse dia eu dedico a Samara, que já a esperava há um tempo. Voilà!



um corpo funciona mais ou menos da mesma maneira que um poema.
um corpo precisa de água, luz, comida, cama, quintal.
um corpo também requer que uma mão carinho passe sobre si quando em vez.
da mesma forma o poema.
o poema precisa a luz água cama comida quintal.
o carinho, o poema chama.

assim como os corpos, quando nus,
os poemas também se deitam juntos, unos,
atravessados,
esfarelando os suspiros uns aos outros.

os homens bebem dos copos,
os poemas dos corpos,
os corpos dos homens.
a cada verso, um gole.

tal feito o poema,
os corpos se lêem uns aos outros.
se desvendam, se escrevem, se remetem e
sobretudo
se rasgam e se rabiscam. Se rascunham.

poemas lavando pratos,
corpos juntando poeira nas estantes.
poemas pagando contas,
corpos sendo roídos pelas traças.

assim como o corpo,
o poema também tem
prazo de validade:
a eternidade.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

a pele

‘viajar entre pernas e delícias’
[Djavan]


Postagem de aniversário J Eu guardava esse texto para um dia especial que não parecia chegar nunca, até que... chegou! Parabéns pour moi. O dia hoje é só de alegrias!
                O texto que segue é fruto de uma provocação daquelas boas. Dia desses, após uma homenagem ao maestro Pedro Santos, o compositor Chico Limeira (sou sósia dele) me deu a cantada: estava com uma melodia pronta pedindo por uma letra. Eu, que sou fã do cabra, senti-me deveras honrado e, me utilizando de um outro poema que andava guardado por aqui, escrevi ‘A Pele’. Vale ressaltar que, ao escrever, pensava na voz de Rinah Souto, essa danada que já há um tempo nos encanta com a voz e com o sorriso. Ainda não tive a sorte de ouvi-la cantar ao vivo essa minh’A Pele, mas um dia eu chego lá. Espero que gostem J


Anoiteceu
Esfriou
Minha vontade despiu-se sem medo
Meu rosto, meu peito
O meu desejo, meu cansaço, minha voz
Tudo é nudez
E eu só te peço que
Fiquemos sós, meu bem

A pele que arrepia
Anseia teu toque
O beijo atravessado
Tem a mesma sorte
Só quero que tu venhas
Vestindo o avesso
Escreve no meu corpo
Desvenda o segredo

Amanheceu
Clareou
O sol insiste em ferver os amantes
Teu beijo ‘inda queima
Esse teu cheiro que incensa os meus lençóis
‘Inda mora em mim
Ficou no meu texto o teu
Beijo feroz, meu bem

A pele que arrepia
Anseia teu toque
O beijo atravessado
Tem a mesma sorte
Só quero que tu venhas
Vestindo o avesso
Escreve no meu corpo
Desvenda o segredo

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

dueto

‘eu queria que a mão do amor um dia trançasse os fios do nosso destino!’
[Roque Ferreira, seja com Roberta, seja com Maria]


Haja fôlego pra segurar a onda de tantas conquistas nos últimos dias! A tsunami de boas novas veio tão forte que eu-quase me esqueci da versorragia. Grifo nosso no quase, rs. O texto abaixo – à guisa de soneto, retomando uma forma já antiquada com direito a apêndice e tudo! - veio coroar uma idéia prum projeto próximo que 2012 deve trazer consigo. Bons ventos soprem e sobrem ao ano que se anuncia!


Eu  - ‘stou pronto. Ando tonto. Sigo alerta.
Vou louco de deixar a porta aberta
pra ver entrar a sombra do teu beijo.
Nem anjo, nem demônio, nem lampejo
de raio de luar que te anuncie.
Uma brisa sequer que denuncie
uma chegada tua, ‘inda não há.
Por que essa demora de chegar?
Tu  - Não tardo, meu amor, juro que não.
Desejo o que não cabe no poema,
só quero o que não cabe na canção,
 o que nunca não foi de ninguém tema.
Sigo distante contigo sonhando
com o momento em que me dirás quando.
Eu – Quando.


domingo, 20 de novembro de 2011

muito romântico #2

‘tão bom morrer de amor e continuar a viver’
[Mário Quintana]


uns pés, uns mãos, uns cabeça, uns só coração
                Postagem boa, essa, de se redigir! Ontem a noite, no Teatro Santa Roza, a BandaUns fez o show de encerramento da Mostra Estadual de Teatro e Dança. Foi um momento muito belo e especial, repleto de som, poesia e Caê J



Fotos: Pedro Rossi

               


Antes de cantar ‘Não Identificado’, levei ao mundo o texto abaixo, escrito especialmente para a situação. Espero que gostem!



Se você estivesse aqui, hoje, sentado ao meu lado, eu confessaria na frente de toda essa gente a pior das minhas verdades: nunca me canso de poemas de amor. Você gargalharia alto. Você sempre gargalha alto. Entre sorrisos, me perguntaria porque nunca me canso dos poemas de amor. O amor, você diz, é por si só exaustivo, não precisa que a literatura lhe pise nos ombros. Eu desviaria o olhar por um momento ao fundo da platéia. Depois te encararia e diria: acontece que, para amar, são necessárias duas coisas. A primeira delas é a incerteza. Sem a incerteza, não haveria saudade. Sem saudade, não haveria música. E qual o sentido do amor sem a música? Falo da incerteza que ataca a todos, ao menos uma vez na vida, lá pelas três da manhã. A incerteza do homem de negócios, do vendedor de peixes, do estudante secundarista, da dona de casa, do apresentador de TV. É a incerteza impressa nas canções de Roberto Carlos que a sua vizinha insiste em cantar todo domingo de manhã. A incerteza do sentimento do outro. A segunda delas é a beleza. Ah, a beleza. Não aquela beleza greco-romana, aquela beleza olhai-os-lírios-do-campo, essa beleza não interessa a quase nenhum sentimento. Também não é aquela beleza engarrafada de prateleira de supermercado, a beleza de 1,99 também os interessa pouco. Me refiro a uma beleza mais pé descalço, uma beleza mais cabelo assanhado, mais Gal Costa, mesmo. A beleza vem dar molde ao que não tem nome no amor pelo outro. Por isso que um casal é quase-sempre formado por duas pessoas: numa delas sempre reside uma carga maior de incerteza e na outra uma carga maior de beleza. Não existe o amor perfeito. Não existe em pessoa alguma carga equilibrada de incerteza e beleza. O único ser vivo capaz de segurar essas duas grandes forças é o poema. Assim sendo, meu amor, como eu poderia me cansar deles? Você, nesse momento, seria só espanto. Só olhos arregalados. Depois de respirar profundamente, me indagaria, num misto de pergunta e afirmação: isso aí que você acabou de me dizer, isso aí é um poema de amor. Eu, igualmente surpreso, diria: É? Talvez. Não sei. Acabei de fazer.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

abraços, rimas, passos

‘imerso na melodia cósmica, eu danço a canção do silêncio’
[Bernhard Wosien, em ‘A Canção do Bailarino’]























Mais e mais aqui :)



terça-feira, 18 de outubro de 2011

passos, rimas, abraços

‘quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma’
[Fernando Pessoa]

Tudo começou em 2004, com a primeira vinda de William Valle a João Pessoa para um workshop de danças circulares de fim-de-semana. Tudo começou na década de 1970, quando Bernhard Wosien visitou a comunidade de Findhorn para apresentar seu trabalho de meditação em movimento. Tudo começou no IPEI. Tudo começou no terraço de Déa. Tudo começou no terraço lá de casa. Tudo começou na comunidade de Nazaré. Tudo começou na Escola Aruanda.




Desde 2004 que pratico as danças circulares, tendo iniciado minhas atividades como focalizador imediatamente no ano seguinte. Para aqueles que me conhecem, não é novidade. As Danças Circulares têm um papel importante na minha formação enquanto produtor de arte, professor e ser humano. E é com muito prazer que, nos dias 5 e 6 de Novembro, que estarei em Curitiba, na Escola Move o Mundo, ministrando o workshop ‘Passos, Rimas, Abraços’. Neste trabalho, busco conectar algumas das minhas coreografias (frutos de trabalho e estudo intensos que já somam sete anos) para músicas das mais diversas origens, desde Bach até a canção brasileira, a textos de diversos autores, como Vinícius de Moraes, Jacques Prévert e Manoel de Barros. O objetivo, além de unir em um único trabalho duas expressões humanas de imensurável força e valor, é mostrar que, entre as artes, não há fronteiras: versamos os passos, dançamos os poemas, cantamos os abraços.

Respondo com muito prazer o chamado de meu mestre e retorno a Curitiba com uma felicidade que mal cabe em mim. Feliz também por saber que esse trabalho não tarda a vir para João Pessoa :D Aguardem!

Mais informações sobre o workshop, a Move o Mundo e as Danças Circulares aqui!





domingo, 9 de outubro de 2011

notas sobre você [excerpts]

‘você desenhou becos sem saída no meu corpo’
[Maria José Limeira]

                Quando a gente gosta, claramente assume – é festa, é festa, até o sol raiar, né?. ¡Apois!, hoje é dia de festejar :D Segue um trechinho de uma longa carta-presente, eternamente em construção, à guisa de presente.

[...]

Brincar teu corpo feito parque de diversões, entradas grátis.

Ouvir teu olhar gritando pelo meu. Ouvir que gritas. E que é belo de ouvir.

Sentir tuas projeções sobre meu corpo. Fazem cócegas. É bom.

Quase dançar. Quase dormir. Sonhar inteiro.

Mais arrebatador que um beijo, mais verdadeiro que um abraço, mais surpreendente que uma rima.

Sábia da boca que sabe da outra.

Teu sol me amanhecendo, me aurorecendo, desvirginando a madrugada que ainda restava.

Porque era você, tinha de te chamar ‘niño’. Porque era eu, foste ninho, e eu confio.

Existe uma coisa na tua poesia que eu quase não conhecia: ela existe. E o perfume que carregas nos dedos, na pele, na presença, me embriaga ao ponto em que me esqueço de tudo. Não sei mais se sou ou se sou outro eu, mas pouco importa. Essas notas, esses rascunhos, fazem da chegada de você mais documento que qualquer coisa, e por isso fugi delas um tanto. Mas não seria eu se não registrasse que agora já leio meus poemas com uma paz quente reinando na alma. Esses poemas de amor, essas cartas tolas, esses rabiscos todos que eu escrevia como-que pra ninguém, mas que eu escrevia pra você o tempo todo. Ei-los aqui. São nossos.

No meio da pedra, tinha um caminho.

[...]


terça-feira, 20 de setembro de 2011

da beleza ou bilhete

‘vai tua vida, pássaro contente
vai tua vida, que estarei contigo’
[Vinícius de Moraes]


                Estes dias, estive mergulhando nuns rascunhos de idéias antigas, em quase-textos, quase-canções e quase-idéias, e me deparei com este aqui. Fiquei animado, reescrevi algumas vezes e ainda o reescrevo. Penso que, em voz alta, soa melhor. Quem se atreve?




Hoje um passarinho pousou na minha janela. Não que fosse um ato de destaque em relação a outros ou que fosse um passarinho de especial beleza, mas não consigo deixar de pensar que, se estivesses aqui, terias notado. Que um passarinho pousou a nossa janela. Isso porque tinhas-teves-tens uma coisa de notar beleza onde quase-já não há, onde não mais se vê – num olhar, numa janela, ni mim. É porque beleza só há-de fato quando nós a vemos. E é notável que a maioria das pessoas hoje não notaria um passarinho pousado a janela. Um passarinho pousou na minha janela, consigo te ver na mesa de jantar, entre uma garfada e outra, lembrando do fato e exclamando sorridente ‘um passarinho pousou a nossa janela hoje!’. Era de manhã. E ele não cantou. Pousou, espreguiçou as asas, ainda ensaiou encher o peito de ar como quem fosse cantar. Mas não cantou. Voou. Foi-se. Não consigo deixar de pensar que ainda te buscava nos recantos, nas beiradas, nas cortinas da janela. Um passarinho pousou em minha janela hoje e eu não sei mais porque ainda te escrevo.


domingo, 4 de setembro de 2011

pour elle

irmãos-luz
‘please send me a letter
I wish to know things are getting better’

[Caetano Veloso]          



Escrevi este texto num momento bem íntimo e familiar, e se o publico hoje cá é porque não poderia deixar de fazê-lo. O sangue que aqui se expressa em maneira-de carta coagula no papel de um jeito diferente, todo especial mais que os outros aqui anteriormente postos. É que minha irmã quem sangrou comigo.




Gabi,
quando Quel veio aqui em casa descrever como seria a vivência de hoje, tive a chance de entrar em contato com idéias e sensações das quais eu andava fugindo. Saber da sua partida e da tsunami de conseqüências que ela trará no dia-a-dia dessa casa me assustava – assustou-assusta, e meu primeiro impulso foi afastar esses pensamentos. No entanto – e você sabe mais do que ninguém – que esse dia-a-dia já não anda tão simples, e ser visitado por lágrimas internas e externas acabou por tornar-se comum. Mas foi assim, quase que me afogando em mim mesmo, nos meus questionamentos, nas minhas mágoas, meus fantasmas, que eu descobri a delícia de ter uma irmã. Ocorre-me agora a imagem da personagem da literatura americana que cresceu ao contrário e que, por um curto período, teve na vida alguém que lhe cuidava, que lhe ouvia. Curioso é que só agora eu me venha a identificar com aquele Benjamim, eu que nasci com as barbas a dar voltas pela casa e só agora venho ensaiando minhas primeiras palavras e ontem mesmo de dei a chance de engatinhar. Você me abriu os braços sem medida num momento em que quem eu menos esperava me virou as costas, deixou-me cair sobre eles e teve a coragem de dizer que tudo ficaria bem, mesmo sem ter total certeza disso. E isso não tem preço. Por isso também resolvi que te privaria da visão das minhas lágrimas. Não era a mim o direito de chorar a tua partida, mas de dar a maior fração de força que eu te pudesse dar, mesmo que fosse pouco, mesmo que significasse chorar por dentro, em silêncio – hoje não dá mais pra esconder, me perdoa.
É com um sorriso no rosto, porém, que eu te vejo crescer. A menina que sempre não foi só menina galga agora patamares que a minha vista curta ainda não alcança. Cresce a cada dia a minha admiração por essa coragem com que você anda encarando tudo isso, talvez também nos poupando das suas lágrimas. Essa coragem que nos dá a nós todos também uma oportunidade boa e bonita de crescer, uma chance rica que não vamos desperdiçar. Obrigado, minha irmã.






segunda-feira, 15 de agosto de 2011

nem soneto, nem rima, nem nada

‘no bucho do analfabeto
letras de macarrão
letras de macarrão fazem poema concreto’
[Chico Buarque]


                Eu ‘tava brincando de férias do blogue um pouquinho, mas esse final de semana me falaram tanto sobre ele que eu senti saudade e resolvi postar. Ainda mais hoje, quando ouvi que isto cá que escrevo não é poesia. Bom, um recado: não tenho pretensão de fazer poesia. ‘Escrevo, e pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto’. Deixo aos críticos literários o maldito estúpido dever de dizer ao mundo o que é poesia. Se eles conseguirem, claro. Espero que gostem. E se não gostarem, bom... continuem falando do blogue por aí afora, que dá um ibope danado!

 - gosto de pensar que usar palavras relacionadas à literatura nos textos é um artifício literário válido... no entanto, falar de poesia não me faz poeta. dizer-me poeta em meus textos não me faz poeta. poetas se fazem com outras coisas... como diria Leminski, existem dois tipos deles: os que escrevem e os que lêem. toda palavra aí está por um motivo, por um impacto. feliz de quem lê mais o impacto que a palavra. –




nem verdade ou mentira; sou o fato,
o trato da loucura, sou o medo,
degredo da saudade, sou um feto
num tubo de ensaio, sou sentido
num conto dadaísta. eu sou a rota
que percorres descalço, sou adaga
que enfias no teu peito, sou a puta
que beijas, sou inferno e céu amargo.
não sou luz de estrelas, sou a rima
que buscas sem cessar, eu sou um homem
sentado nas esquinas, sou um ímã
pros teus desejos tolos, sou a Rita
da música do Chico, sou o mote:
nem alegre, nem triste, nem poeta.


quinta-feira, 28 de julho de 2011

soneto a quatro mãos

Tua memória, pasto de poesia, 
tua poesia, pasto dos vulgares, 
vão se engastando numa coisa fria 
a que tu chamas: vida, e seus pesares.
[Carlos Drummond de Andrade]
Fui pela estrada a rir e a cantar
 
As contas do meu sonho desfiando... 
E a noite e dia, à chuva e ao luar, 
Fui sempre caminhando e perguntando...
[Florbela Espanca]
Insiste em quê?Ganhar o quê? De quem?

O meu parceiro...eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se
[Mario Quintana]
O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
 
Mas não a ânsia de Coisa indefinida 
Que o ser indefinida faz tamanha. 
[Fernando Pessoa]


                Antes eu sofria um bocado pra escrever sonetos. Acho que agora engatei! São um exercício ótimo pra vocabulário, sabe? E esse aqui, especialmente, foi um prazer escrever. Me deparei com um tercetinho cheio de potencial sonetístico no blogue de Candy e, há muito, eu tinha vontade de escrever algo com o danado. Bom, saiu. Espero que gostem! J


A minha teimosia não é prosa,
é poesia!, é caixa de Pandora!
Carrega em si tal mote que a glosa
suspira, embriagada pela aurora

do meu versar; A musa me é senhora,
dona de mim. É rara, é perigosa,
sabe fazer-me mudo e sabe a hora
de me açoitar com pedra, pau & Rosa.

Mas se hoje me aventuro no relevo
incerto do meu texto é porque o pranto
é menor que o desejo; E, feliz, clamo:

Eu não sei escrever, mas eu escrevo.
Não sei como cantar. Contudo, canto.
Nada sei eu do amor, no entanto amo.




terça-feira, 19 de julho de 2011

para você, meu querido caê

‘cantar é mover o dom
do fundo de uma paixão’
[Djavan]


uns pés, uns mãos, uns cabeça, uns só coração
                No último sábado, 16 de Julho, estive com a BandaUns na ‘Alegria, alegria – Noite a Caetano’, cantando este que é such a referência pra mim e pra tanta gente Brasil afora.
Eu já havia escrito um poema pro Chico, e achei por bem aproveitar essa oportunidade pra escrever um texto pro caê J Esse título – coisa mais fofa, né? - eu tirei d’um álbum que conheci em tão belo momento da minha vida, em tão belo contexto. Li este poema entre uma música e outra lá na Casa de Musicultura. Hope you like it!

não me espanta
a lábia
o labirinto
de quem canta.

não me espanta
o grito
saindo da tua
garganta.

não me espanta
o poema
o sim, o cinema
luzeiro que encanta.

me espantam
as vozes, o prazer
sem explicação
sem por enquanto.

abro a boca
e crio o eco:
‘por ser feliz, por sofrer
por esperar, eu canto.’


segunda-feira, 11 de julho de 2011

immerso

‘coração de eterno flerte
adoro ver-te’
[Caetano Veloso]



         Como inventei de fazer um poema longo, resolvi economizar na apresentação. Este aqui foi e é desafio; Foi e é resposta, e ainda parte de jogo (ou jogo em quatro partes). Espero que agrade! J



I
Il fait froid dans mon coeur.

II
como se fosse sábado, e nem era, fui a teu encontro.
quebrar barreiras, gerar encanto,
sonhar o sonho.
feito poema, tímido, você sorriu
 - e eu também.
poesia filosofia academia
a n tro po fag ia dentes-orelha-queixo
brilha nos olhos um calor que se renova
a cada abraço,
a cada beijo,
a cada hora.

III
deitar pra perguntar:
há texto
em nosso silêncio?

IV
não mais dor,
não mais estio.
línguas francesas
que me preencham
o vazio.




sábado, 9 de julho de 2011

astronauta da saudade

‘a saudade mata a gente’

Faz uns seis meses que publiquei cá ‘um’ poema a dez mãos, um poema feito de abraços y aperreios.  As deusas quem sabem o porquê d’eu haver demorado tanto pra trazer a tona este segundo! Mais uma vez minhas outras cabeças se juntam mais eu pra trazer estes versinhos sobre tema proposto por Candy, retirado d’uma canção bonita do Jorge Mautner. Espero que gostem J

I [Luíza]
vem, menino, e não tarda!
 
vem logo me dizer da lua 
e dos segredos dela! 
me diz se ela é de queijo 
e se ele é bom. 
me diz se a poeira lunar 
te faz espirrar! 
me diz se quando minguante 
tu escorrega e cai 
ou se quando nova 
tu desaparece com ela! 
vem, menino, e não tarda! 
vem que o espaço, 
meu menino astro, 
fica muito melhor 
contigo aqui comigo.

II [Matteo]
Quando ficava sem sono sozinho de madrugada, gostava de ir na estante que ficava no quarto e procurar alguma revista interessante da coleção do pai e ficar lendo as matérias. Eram sempre curtas o suficiente para preencher uma noite, eram mais práticas, e sempre aprendia algo de novo. Um dia achou uma Scientific American de algumas décadas atrás, e se divertiu lendo sobre o efeito do movimento da lua nas marés. Ia lendo e olhando pela janela, a cada linha admirando mais aquele buraco branco pregado na noite. Se ela exercia um poder tão grande sobre os oceanos, milhões de toneladas de água, o que fariam com, sei lá, o sangue de uma pessoa? Imagine então se alguém fosse à lua? Alguma reação alquímica com certeza faria no coração alguma mágica descrita quem sabe em alguma parede cheia de hieróglifos de algum templo egípcio construído com a ajuda dos seres cósmicos, que conhecem melhor aqueles lugares. Decidiu ele mesmo ir verificar, escolheu uma noite estrelada, preparou alguns sanduíches, uma garrafinha d’água e foi até a lua, sem avisar a ninguém. Quando chegou lá, a lua já não fazia efeito nenhum, mas a Terra já puxava todo o sangue de seu coração em sua direção, como se fosse uma Meca das hemácias. Descobriu que não era a lua que fazia a mágica, era a distância, que deixava um vazio cardíaco. Terminou o sanduíche e voltou correndo.

III [Gustavo]
me sento numa esquina de lua. ao redor, vê-se estrela nenhuma.
daqui onde me encerrei, vejo o mar que azula o planeta que você me abandonei.
vejo meu país, vejo outros países
vejo as luzes da guanabara, vejo as luzes de paris
vejo as luzes da sua tv transmitindo a novela das oito
vejo a luz dos seus olhos brilhando de sal
pela baboseira televisiva que insiste em imitar a baboseira do vida-a-dia.
Estrela, meu olho me indaga em todas as luas
quem de nós primeiro abandonou o outro.
se fui leviano, foste cadente
nossa terra nos foi frívola, nossa urgência urgente
ai, Estrela, como dói.
lembro d’uma vez, você me perguntou, ‘Mas se flutuam os homens quando na lua
flutuam também seus corações?’,
e eu respondi com um sorriso fluto.
minhas lágrimas cá não flutuam – caem como edifícios, desabam como famílias
o eco de suas pancadas quando tocam o chão
esvazia a humanidade das bandeiras aqui fincadas.
você desliga a tv, Estrela. por quê?
fim de novela, adeus telefenestra sinistra.
você acalenta o próprio sono, como?
a guanabara se apagou
paris se apagou, nosso país se apagou.
brilho só, agora, sobre esta esquina de lua.
a saudade se assenta cá ao meu lado,
fecha os olhos e, sinceramente,
também chora.

IV [Marília]
No espaço sideral

Sonha que aquela estrela é ela
Cadente, de fogo
No calor dos beijos de outrora
Seu satélite natural,
Em meio a tantas Luas.
Desbravando os céus
Lembra do planeta azul
Onde deixou os olhos,
Os abraços, o amor...
Se jogou no espaço
Pisou na Lua
Descobriu Vida em Marte
Tropeçou em outros mundos
Caiu num buraco negro
E se desfez em saudade
Perdido, pelas galáxias
De amor.

V [Candy]
no espaço vazio da solidão

o astronauta da saudade tenta não lembrar
das noites que pareciam eternas,
dos beijos que pareciam promessas,
dos planos que pareciam sem fim.
vai, astronauta, aprende
não adianta sonhar
amor não vive nas nuvens
amor se pisa no chão
que é pra não morrer de ilusão







sexta-feira, 24 de junho de 2011

24 de Junho

‘foi numa noite igual a esta
que tu me deste o teu coração’

[http://youtu.be/A3Df_soN_O8]

Só uma coisinha pra embalar esse dia de pós-festa... J


quando vem o dia seguinte
e o orvalho de junho belisca as brasas da fogueira
e o último acorde da sanfona se apaga no tempo
e os bêbados se conformam com o fim da festa
e as bandeirinhas tremulam tristes, desbotadas,
e o mistério do chiado da chinela abandona
e o quintal mergulha na quentura do vazio
e o suor da camisa xadrez já secou
e os pés latejam com saudade da quadrilha
e eu procuro o cheiro do milho onde não há
e a pele se arrepia com o sol se impondo aos poucos
e o olhar da minha avó se arretira pra dormir
e o vento já carrega a poeira dos casais pra fora do salão
e o barulho diário, quase julho, quer invadir
e os santos rezam, não mais dançam
e a voz de Luiz Gonzaga já calou no som da casa
e o sal do teu cangote já se apaga em minha boca
e a lembrança do beijo já se quer esvair
e a chuva de São José se transforma de novo em esperança
e o silêncio se faz lembrar existente
e eu observo o mundo acordar para o que existe
e vejo que o mundo chora.

quando chega o dia seguinte é quando
nasci e ontem morri.



quarta-feira, 15 de junho de 2011

des petites chansons pour les quatre saisons

‘no inverno te proteger 
no verão sair pra pescar
no outono te conhecer
primavera poder gostar’
[http://youtu.be/Hrff717FbgU]


                Alcançando a mudança de estação aqui por esses lados (calor >>> chuva), escrevi esses tercetitos no ônibus, no celular. Teve quem recebesse-os feito SMS J No mais, é um projeto de qualquer coisa. Espero que gostem – e comentem!


I
o barulho das folhas secas sob os pés
é nada não
 - é o outono mastigando nossos passos –

II
o inverno é o freio frio
do trem que nunca atrasa
da estação que nunca acaba.

III
primavera
é Vivaldi
sobre tela

IV
o som da solidão
é a andorinha só
no fim do verão.








domingo, 12 de junho de 2011

13 de Junho

‘gosto do Pessoa na pessoa’
[Caetano Veloso]

                Não consigo nem acreditar que comecei essa postagem citando Caetano e não Pessoa, Fabíola vai me matar!, rs

                Hoje é 13 de Junho - pelo menos aqui em casa, não sei o que deu no relógio do Blogspot. Hoje nascia um e nascia mil e nascia vários poetas num só. Hoje é aniversário de Fernando Pessoa. Eu não sou nem lido tanto das pessoas de Pessoa, mas seria impossível crescer onde cresci e falar a língua que falo sem jamais ter ouvido ou lido ‘tudo vale a pena / se a alma não é pequena’ ou ‘o poeta é um fingidor’. Por isso não poderia me escapar de lembrar-lhe nesta data. Fiz um desafio com meu amigo-crítico (às vezes mais amigo, às vezes mais crítico) Matteo, de escrever a Fernando um poema no tempo de quinze minutos. Posto hoje cá o meu.




pus o fingimento de lado. De que me valeria?
este é o dia em que me calo.
se me atrevesse hoje a por um verso que foste
seria nada menos que puro atrevimento
ousadia de quem nada tem a dizer.
a língua é tua, Fernando. Nasce. E fala!


Você pode ler uma série de poemas meus inspirados em Fernando aqui, aqui e aqui e pode ouvir de seus versos na voz de muita gente boa aqui.




quarta-feira, 8 de junho de 2011

tudo sobre ele

‘o que quer, o que pode essa língua?’
[Caetano Veloso]


                Eita, que as minhas postagens tão bissextas... É, c’est la vie des choses. Esse poema é novo, novinho, mas ficou em fermentação por semanas. Por isso que tá assim, enorme!, mas ainda vou dar uma enxugada nele :B Ele faz parte do meu projeto novo... Qualquer dia falo mais deste bendito. Espero que gostem!

 - em tempo!: esse aqui é um presente.


I
essa língua ainda é muito pouca pro meu desejo.
uma língua não me basta, nunca me vai bastar:
preciso beijar todas as palavras do mundo.

II
ele é ademais
ele é com certeza
ele é de fato
via de regra ele é
ele é uns
ele é assim assim
há-de
ele é no entanto
e contudo, e todavia
é inclusive
ele é em virtude
ele é?
tim-tim por tim-tim
ele é ninguém
ele é quiçá
antemão ele é
ele é data vênia
mediante
ele é dá-que
é portanto, é afinal
pois
ele é de propósito
ele é contumaz
quanto mais
ele é cujo
ele é &
ele é porquanto
d’outro
ele é as vezes de
ele é ainda por cima
ele é até-que
em suma ele é
ele é sem
ele é com efeito
ele é tampouco
porventura
ele é seu
pois sim
ele é meu
pois não
ele é mais
mas
e
não obstante
ele é sobretudo.

III
ele é muito pouco
pro tamanho da minha
vontade.



quinta-feira, 26 de maio de 2011

Meu eu, Ícaro

‘o sol pega o trem azul
você na cabeça
o sol na cabeça’
[Clube da Esquina]

                Resgate é sempre bom. E importante. O poema que hoje posto está no meu primeiro livro, ‘Cheio de Nova estação’, publicado em 2008 pela CBJE. A publicação veio como um – lindo – presente da minha mãe pelos meus quinze anos.

Encaro esse livro como um importante registro histórico. Explico: comecei a escrevê-lo por volta dos seis anos, e terminei-o entre os dez e os onze. Parei de escrever poesia nesta época, dedicando-me a outras atividades da arte (voltei pros versos em agosto de 2010, hemorragia incontrolável enquanto ainda dura). As ilustrações do livro ficaram a cargo de Vant Vaz, grande amigo e parceiro, fundador da Tribo Éthnos, e a apresentação nas mãos do poeta e ídolo Lau Siqueira. Espero que gostem deste, é o meu preferido do livro! J















Se meu desejo é
voar
que voar seja o desejo
da sonhadora flor presa
ao chão

Se meu desejo é conhecer
o sol
que esse seja o desejo do sol
me conhecer para voarmos
juntos


Que os pássaros
planem
comigo sobre as nuvens
de algodão do
céu

Nas asas de cera
oculto a sabedoria de
voar alto
e o delírio de uma
liberdade


quinta-feira, 19 de maio de 2011

poesia quebrando os muros

‘todo artista tem que ir aonde o povo está’
[Milton Nascimento]


                Essa deve ser a primeira vez que não posto um poema no blog. Não acho que vou me habituar a isso, mas é por uma nobre razão :)


                Enquanto escritor, ator/diretor, focalizador de Danças Circulares, metido-a-cantor e consumidor de arte, um dos maiores desafios que vejo para a classe artística é fazer-se ouvir – seja pelo público, seja pelas organizações governamentais. A literatura, num país iletrado, principalmente! Cria-se ao redor daquele que escreve uma espécie de aura inalcançável, fruto de uma cultura elitista que supervaloriza a cultura clássica (as palavras apegadas ao papel) em detrimento da popular (onde a literatura é, originalmente, oral). O bom escritor precisa de isolamento e silêncio pra produzir ou o bom escritor é de uma sapiência inigualável ou o bom escritor não comete erros gramaticais/ortográficos ou whatever. O pior, dos meus dezessete anos de ponto de vista, desses mitos ao redor do bom escritor, é que o bom escritor é uma pessoa de idade avançada! – não que eu tenha comigo a idéia de que sou esses balaios todos na escrita, ‘escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto’, mas tem que ser muito preconceituoso pra acreditar num negócio desses. Foi pensando nestas dificuldades que o segmento literário sofre que foi fundado em Janeiro deste 2011 o Núcleo Literário CAIXABAIXA. A convite de Betomenezes, juntei-me ao grupo, que é repleto de talentos em diversos gêneros da escrita. O Núcleo tem como objetivo propagar a existência da nova literatura do nosso estado, além de criar mecanismos para a sua divulgação junto aos órgãos públicos e privados – e, claro, servir de espaço para intercâmbio entre os escritores. So far, so good, a experiência está sendo deliciosa.


                E na próxima semana, o CAIXABAIXA sai do mundo virtual para encontrar o povo no seu primeiro evento público oficial: o I SARAU POÉTICO DO CAIXABAIXA, promovido pelo Núcleo em parceria com a Prefeitura Municipal de João Pessoa e a Estação Cabo Branco de Ciência, Cultura & Arte. Será uma maravilhosa oportunidade de conhecer os novos nomes da cena das letras do estado, além de mergulhar na poesia desse povo. Vamos?




SERVIÇO
O quê? I SARAU POÉTICO DO NÚCLEO LITERÁRIO CAIXABAIXA
Onde? Salão Panorâmico da Estação Cabo Branco de Ciência, Cultura e Arte
Horário? Das 19h as 22h
Entrada franca.



sexta-feira, 13 de maio de 2011

13 de Maio

‘ a música dos brancos é negra
a pele dos negros é negra
os dentes dos negros são brancos’

[Adriana Calcanhotto]


                 ‘Dia 13 de maio, em Santo Amaro, na Praça do Mercado, os pretos celebravam – talvez hoje inda o façam – o fim da escravidão, da escravidão’. Eu queria uma postagem que retomasse a mesma intenção daquela do dia 31 de março (lembrar pra não esquecer, esquecer pra não repetir). A questão racial no Brasil é algo muito delicado, e eu não me furtaria de versar sobre ela.


                Pensando nas matrizes formadoras do país, segundo Darcy Ribeiro, desde sempre me identifico muito e mais fortemente com a matriz negra. A minha natureza anti-teísta e, no entanto, extremamente espiritual, me impede de institucionalizar qualquer-fé que seja... porém não posso negar os pêlos que se arrepiam em mim quando escuto canções afro-brasileiras – também não posso negar esse meu nariz largo e esses meus cachos no topo da cabeça. Por isso o poema. Por isso, e porque sou brasileiro também.


eu sou
da cor
dos meus versos
 - negro, como as palavras
que saem
do meu lápis.
e se hoje
a minha pele
reflete o branco do papel
onde deito o meu poema,
creia:
é um acidente de linguagem.
(a minha cor, meu lápis não nega).






domingo, 8 de maio de 2011

naró

‘tudo são trechos que escuto, vêm dela
pois minha mãe é minha voz.’
[Caetano Veloso]


Mãe, estou aqui no apartamento dos meus avós. Agora, antes de dormir, que fiquei em dúvida se te tinha dito que viria pra cá ou não. Achei por bem amanhecer com minha avó depois de umas conversas que tive com meu tio... Chego cedo amanhã para almoçarmos juntos (:

Estava aqui pensando sobre a vida, a realidade, a verdade... filosofando, enfim. E me deu uma vontade louca de dizer que te amo. Muito. Sabe, a transitoriedade dessa humana existência da gente não nos consegue dar certeza de nada – nem do que é real! Mas uma coisa eu posso dizer: apesar das divergências, mãe, apesar das dificuldades, não existe circunstância que modifique esse sentimento que eu cultivo por você. Te amo, mesmo quando eu não mereço, eu te amo. Um beijo, boa noite, feliz dia das mães e até amanhã!

 - esse é o meu presente pra você, mãe... vai combinar super bem com o perfume e a echarpe colorida (:


minha mãe gerundia as canções.
se é dia ou faça noite,
carregando mundo por sobre as bochechas,
sorri feito rede de punho.

é sempre
é quase
é nunca

acho de minha mãe que me preenche de poesia
feito as dôras e os ivos no quintal.







sábado, 30 de abril de 2011

chico buarque de hollanda

‘saiba que os poetas, como os cegos,
podem ver na escuridão’

[Chico Buarque/Edu Lobo]



                Esse poema é novo, bem novo. Estou trabalhando num novo projeto, poemas que falem de música, da música, dos músicos, enfim... Aos poucos, vocês vão ver coisas novas dele por aqui. Este, em especial, fiz inspirado no retrato que Luyse (que se esconde aqui http://luluyse.blogspot.com/) fez do Chico, é uma ilustração letral para um retrato em branco-e-preto. Perdoem também a distância e as postagens tão fevereiras, é que estou sem internet =x
Enfim, espero que gostem J



você, que é artista, me diga:
qual a cor dos olhos de
chico buarque?
aquela mirada que sustenta
coisa pra desmantelo
matéria de poesia e
punhado de humanidade.


é, pois,
o único poeta que conheço
de não ser feito de palavras, mas
de samba
e de retinas.








sexta-feira, 22 de abril de 2011

encore des paroles


‘te olho
te guardo
te sigo
te vejo dormir’

[Chico Buarque]

 
                Eita, que fazia um tempo já que eu não dava os versos por aqui. Vortei! :) Dias desses postei cá um texto sobre um poeta dos meus preferidos, meu avô. Hoje, a gente dá continuidade à saga consangüínea pra falar doutro carinho meu, minha avó. Lucinete é luz, e gerundia doçura. Esse texto é das minhas recentes incursões no mundo do não-verso que é verso... Espero que gostem!





eu não vou dizer pra você que eu tive uma infância difícil. é foda ser brasileiro da classe média e dizer que qualquer coisa na vida foi difícil. eu poderia dizer então que a minha infância foi... peculiar? pff! adjetivos pra quê, né?, tem horas que eu não sei nem dizer se eu tive infância ou não. só houve um momento de certeza nessa minha jornada que eu soube ter de fato infância no ar de meu arredor; imagina aí: era eu, assim, menorzinho, barrigudinho, penteadinho, sorrisozinho, no colchãozinho. eu num extremo, minha doce e escorpiana irmã no outro. ao meio, eles. eles seguravam um jeito assim de quem carrega doçura desde sempre. no extremo de lá, meu avô olhava do alto da cama a minha irmã deitada no chão e lhe contava, no seu dialeto novembro, tudo que ela queria ouvir do alto dos seus cabelos loiros. no extremo de cá, éramos minha avó e eu numa batalha épica de canções de um tempo que eu não vivi.
enquanto estávamos acordados, eu e ela, conversando por dentre o escuro, eu via as luzes e as sombras que os carros produziam através da janela, projetando um filme kubrickiano na parede a minha frente, eu descrevia com as palavras que me cabiam todas as imagens que se poderia identificar da retina de um eu pequenininho. até ali, ainda era criança. mas acho que eu gostava mesmo era de ver os olhinhos da minha avó, cheio de histórias ao redor, lentamente fecharem ao som da minha verborragia.  hm... e importa?
isso tudo pra dizer uma coisa: espero que ainda haja netos nesse mundo que ponham suas avós a dormir – quando isso acontece é que nascem os anjos.