terça-feira, 28 de dezembro de 2010

guardador de abismos ou à quoi ça sert #1

Moi, j'ai entendu dire
Que l'amour fait souffrir,
Que l'amour fait pleurer,
A quoi ça sert d'aimer?

[na voz de Edith Piaf & Theo Sarapo - http://tinyurl.com/67xsv6
]

                Não necessariamente emergindo da minha incursão pelos metalingüismos – um universo dentro de si mesmo - e retomando uma vibe manoelesca, sangrei este dia desses. É qualquer coisa de fato universal, pois que não há pergunta mais comum a tudo que vive sobre este planetinha e mais sem resposta do que esta: pra que serve o amor?, de que nos serve amar? Sem pretensões, caríssimos & caríssimas. Sou tão vagabundo quanto el corazón de nosotros. E o retrato é esse aí, amém.

como haveremos, eu e você apenas, de explicar aos homens
que o amor é coisa que não se explica?
o amor não cabe na cabeça de pessoas que pensam grande.
é sentimento de nobreza bissexta, o amor.
lhe agrada tomar café mornal em tardes de domingo
e sentar no chão como uma criança.
o amor gosta de dançar, e dança. é jorge, é louco, é chico.
e nós, eu e você apenas, fantasmas comuns,
cá tentando explicar o que não se explica.
sou um homem comum, sou um, e não me explico.
o amor é para as pessoas que pensam pequeno ou que não pensam, entendam.
acabam-se as leis, acabam-se as brigas e o dinheiro, acaba-se a religião
acaba-se este mundo, acabam-se os outros mundos, acabam-se os mudos
mas o amor ainda estará no meu terraço, sentado ao meu lado,
conversando sobre o calor do verão ou cantando um caetano qualquer.
o amor é primo-irmão das borras, dos ciscos e das latas. é mais um pobre-diabo.
é um guardador de abismos.
toco-lhe a mão, quente e suave, e ele sorri porque o instante existe.
sorri como se não houvesse amanhã.
ele é todo coração, e me fala quase sonhando: ‘me escreva um poema,
me escreva um poema como quem desenha um carneiro a um príncipe’.
eu e você apenas, choramos porque é finda a tarde.




quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

carona

‘quem quer?
pegar buzão lotado todo dia
quem quer?
viver andando a pé pra todo lado
quem quer?’

[Sacal - http://tinyurl.com/38ga8qg]

                Misturando vibes nesse post: uma, que é muito íntima, é uma vibe meio que metalingüística. Primeiro vem ‘o poeta’, agora vem ‘o poema’. Outra, não tão íntima quanto a primeira, seria uma temática mais urbana. Não sou destes urbanismos todos, quem me lê facilmente nota – mas desta vez me entreguei. Mais gostoso ainda foi me entregar a um urbefeeling que me é bem próprio, o dessa vila capital Parahyba. Enfim, espero que gostem. E comentem.





passeava caetânico ao largo das palavras
quando o avistei.
estava lá, parado na parada,
cansado e suado.
encostei e fiz-lhe a oferta.
o poema sorriu, tímido. esperava um ônibus há meia hora.
aceitou. hesitou a princípio, meio vinicínico, meio drummôndico,
mas aceitou.
conversávamos miudezas no trajeto
e questionei-lhe das minhas limeirices.
sentenciou-me:
“dejetos d’adjetivos!
rosas são rosas, violetas são violetas.
porra!”
sorri, tímido.
deixei-o na vara de ouro, ao fim da tarde,
e sangrei-o pelo resto de minha vida.











Créditos:
Pixação -
Ø
Fotografia - Matteo Ciacchi - http://www.flickr.com/photos/mciacchi/
Música - 'Castelo de Pedra', Burro Morto - http://www.myspace.com/burromorto
Clipe - Pablo Maia/Direção - http://tinyurl.com/3xr2b93

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

des larmes

‘bom dia, tristeza
que tarde, tristeza
você veio hoje me ver’

[Vinícius de Moraes]

                Sangrar este poema foi uma das coisas mais difíceis das últimas semanas. Vejam vocês que eu estava agarrado com Dorian Gray, do Oscar Wilde, tentando dormir, quando tive a primeira idéia [‘foi a primeira iluminura’]. Liguei o computador desesperado e sai escrevendo feito um louco. E, feito um louco, fechei o maldito Word sem salvar [até me saí com esta pérola http://tinyurl.com/2u6hzff]. Fiquei cozinhando a idéia por horas até conseguir dormir, puto comigo mesmo. Quem me consolou foi Mané de Barros, que diz que a poesia é um fenômeno de palavras, e não de idéias. E quis esquecer da idéia.
                Foi después, em companhia de queridos & queridas e ao som de cantos tristes, que ele me veio. E veio naturalmente, viu, cada palavra e cada caetaneidade – dessas que me são próprias. Espero que gostem!



leve, leve 
átimo de vida, arroubo de sal 
gosto de mar, gosto de saudade. 
rola a passarada sobre meus rubores 
irene não riu. 
mata e molha o sorriso do poeta 
até que o novo amor amanheça. 








domingo, 12 de dezembro de 2010

o poeta

"Vão dizer que não existo propriamente dito
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
[...]
Agora você vai ter que assumir suas irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens."

[Manoel de Barros]

                e desde que adentrei o mundo das imagens, lhe achei, Mané de Barros. e, como cantou Chico César, ‘quando lhe achei, me perdi’, e não consegui mais sair desse danado de mundo das imagens. nessa brincadeira, acabou que mergulhei numa fase tremendamente metalingüística, como se minha poesia tivesse esbarrado nela mesma passeando por esse mundo novo de imagens e de manoelices. ou num espelho. ou em mim, você escolhe. deixa que você, Mané, é um danado pra desestruturar a linguagem alheia [http://tinyurl.com/3x57le9], e minhas caetânicas iluminuras estão por se escorrer. que seja, pois, para o bem. sempre.

aos possíveis manoelitos & simpatizantes (aka leitores): vos peço humildemente um comentário rapidinho - oi, li, tchau. dá um calor bom no peito de entrar aqui e ver uma menarca a mais – e a opinião de quem lê é importante por demais pra meu coraçãozinho de papel. agradecido J


mamãe quis que eu assumisse toda a irresponsabilidade do mundo
papai me taxou de zoró, de bocó, de bundo vagabundo.
difícil é colocar na cabeça desse povo todo como dá trabalho ser poeta!,
como é exaustivo e triste e frustrante.
é que se tem que amar as manhãs, e chorar a chegada das tardes
amar as tardes, e martirizar a chegada das noites
deitar-se com as noites e ser acordado pelas madrugadas que recepcionam as manhãs
e chorar mais um pouquinho quando o orvalho secar.
tem que falar língua de passarinho
língua de índio, língua de menino e de menina, e de todo tipo de bem-querer.
ufa!
tem que se olhar pro barranco no fundo do quintal de casa e avistar um mar por detrás dele
um mar de um azul-escândalo, de um azul quase vulgar, quase canção.
ver o poema sentado no barranco, contemplando o mar em toda a sua safadeza
desembaraçar os cabelos do poema, lamber as orelhas do poema, beijar sua nuca rosto e boca
e notar que o poema nunca se satisfaz
e que o poema é na verdade bem mais humano do que você.
é entender que deus é feito de arte, deus é todo canção, é todo cenário, é todo saramagal.
entender no fim que pessoa nenhuma pode dizer o que é a arte
mas que a arte pode dizer se somos pessoas ou não.
tem quem diga ainda que poeta tem que ter o coração todo estraçalhado, todo elis regina.
que é preciso sofrer o gozo, e acima de tudo gozar o sofrimento.
e é um pouco verdade, isso, viu?
esse negócio de poeta feliz é tudo invencionice, limeirice, subterfugice.
a pior lição de todas
e talvez a mais importante
e com certeza a mais doce
é nunca ter um poema que seja seu, só, e pronto.
deixar que o poema voe, pois, das suas veias, como as águas que brotam do chão.
uma vez sangrado, o poema se deu conta de sua vida própria
e já levou a do poeta com ele há tempos.







quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

oi, boa tarde,

'teu olhar me feriu profundo
e eu não paro de sangrar versinhos moreninhos sem futuro'

[
http://tinyurl.com/2wodsau]

Antes de ser egocentrismo da minha parte citar a mim mesmo ao introduzir este novo poema, é uma maneira de me justificar. Isto porque meu caro amigo Matteo Ciacchi (também meu crítico mais ácido) disse que ando por demais diabético. Endiabrado. Ora, talvez ande. Mas não me digam que eu não avisei, ahn?


oi, boa tarde,
posso te dizer um poema?

meu poema é humilde,
tem cheiro de aurora, cheiro de mulher
cheiro de café da casa da vizinha.
desenhei você no meu poema pra que ele tivesse cheiro de praia.
meu poema tem cheiro de entardecer.

o poema que eu vou te dizer tem cor de abraço apertado
cor de bochechas, cor de limeira,
tem cor de quintal.

e é pequeno, pequeno
cabe em meio canteiro de bem-querer
cabe em meia cantiga de acordar estrelas
do tamanho da desarmônica perfeição do teu rosto cor de sorriso.

meu poema é assim:
me dá tua mão. 



quinta-feira, 25 de novembro de 2010

épica



'(vou me jogar passarin
no teu abraço sem fim)'
[http://tinyurl.com/2uq7xx2]

Coisa mais curiosa, essa. Pois que eu já havia feito poemas de cunho narrativo antes [http://tinyurl.com/2uyfj5r se lembram?], mas nunca dessa maneira. O que significa? Eu também não sei. Só sei que gosto. E quando me dizem que poemas não são pra entender? Poemas são pra sentir, não pra pensar, silly Gustavo. Sim, é bem o tipo de narrativa que nem todo mundo vai conseguir sentir, mas aqueles que chegarem lá hão de se deixar sorrir pelo simples impulso do entendimento mais puro e honesto. Você, que sabe bem o que é deixar a luz dos olhos iluminar a escuridão da beira de estrada em que se sangra, vai sentir um cheiro de alguém, um cheiro vivo, um cheiro cor-de-toque, e vai sorrir e talvez até se deixe cantar uma canção qualquer. Ou talvez seja muita pretensão minha. Mas esse é o tipo de poema que nunca acaba; Se você se deixa sentir, né?

Épica, sim. Ora, se eu não esqueço mais nunca.


madrugada abraçou, o sereno sorriu
amei em braille cada centímetro do teu corpo quente
cantei contigo en la distância dos lençóis
e mordi a metalinguagem do teu beijo


teu olhar me feriu profundo
e eu não paro de sangrar versinhos moreninhos sem futuro.









segunda-feira, 15 de novembro de 2010

retrato que ninguém vê

'vou colecionar mais um soneto
outro retrato em branco e preto
a maltratar meu coração'
Tom Jobim


Outro dia, meu tio Marcos (uma pessoa daquelas que dá gosto de ouvir falar e de conversar - e que se esconde aqui http://psicologomarcoslacerda.blogspot.com/) visitou meu perfil do orkut e se deparou com um trechinho de uma música linda do Clube da Esquina no meu about me (podem checar aqui http://tinyurl.com/3yvcysy ou aqui http://tinyurl.com/32udp7t e também aqui http://tinyurl.com/39soy2t) e veio me indagar se aquele pedacinho de Minas era de minha autoria. Eu, apesar de muito honrado, falei a verdade (naturalmente) e (naturalmente) levei um puxão de orelha por não pôr a referência. Ora!, que audácia de minha parte!, utilizar-me de poesia alheia sem dar o devido crédito. Inspirado nesse episódio, me senti na obrigação de escrever algo que falasse qualquer coisa de mim. Será que consegui?







Passo noites a fio tentando alcançar a cauda do universo
Tento beijar os lábios da madrugada e quase consigo uma vez – ela se distraiu.
Fiz de meu quarto de sonhar um pequeno solstício
E devo ser a maior concentração de caos por metro quadrado do quarteirão.
Gosto de ficar ao sol e de molhar minha juba
Mas prefiro molhar o sol pra ficar com a minha juba.
Danço pro sol, danço pra lua
Danço pra ser sol e pra ser lua.
Tenho vocação pra ser morro de Barro – entorto a bunda das paisagens
E fotografo as meninas que florescem no jardim.
Sou capaz de esconder seus nomes nos poemas
Só pra rir de mim mesmo, iludo que engano um qualquer.
Peco em voz alta, que dá mais futuro
Sangro em voz baixa, que é pra doer menos.
Pra fazer feliz, por sofrer, de te esperar, eu canto
Pra caetanear o que há de bom, eu canto.

Eu num presto nem pra poesia.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

e minha revelação

'dê asas ao amor que vive dentro de todo bom coração
pro mundo ser mais bonito em cada palmo de chão'


Sangrar vem sendo cada vez mais doce, deixando de lado qualquer instinto vampiresco que esta frase possa vir a excitar. Eis que é tempo, afinal, de sangrar. De plantar e esperar para colher. E sentir o cheiro de cada momento da espera, e gozar de cada suspiro farto deste cheiro que revigora. Correr para o mar, e ver que o mar estava dentro de mim. E sentir o cheiro do mar, e colher o mar. E correr para a rua, e ver que a festa estava em mim. E colher a festa. Correr para a dança, e ver que eu já bailava antes. Colher isso também. Colheita constante que me distrai nessa espera agridoce. Cada um colhe a cor e a milícia de ser o que é. Amém.





                                              meu segredo:
                                    tirar da espera
                              o desespero.
                                          beijar as sementes
                                         plantar o toque
                       regar tuas pétalas, colher desejo


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

poesia, cadê?

'meu coração é um alazão passarinheiro'

Hoje não tem poesia.

Uma vez, uma moça bem inteligente me disse que é melhor não magoar um coração, pois você pode estar dentro dele. E olha que um outro moço também muito inteligente já me tinha alertado que sou responsável por aquilos que cativo. Mas eis que sou assim, esse ente de sílabas, o diabo solto no meio do redemoinho, e demoro pra aprender estas que são as lições mais simples e valiosas. E nos últimos tempos, o abandono a quem entreguei esta versorragia me atormentava de maneira tal que tive de dispensá-lo - o abandono pôs-se a construir aqui uma ruína, e essa cidade é muito pequena pra tanta ruína. Sabe-se lá quando me acometerão outras hemorragias!, só sei que daqui de dentro não saio. E olha que ousadia a minha, achar que este sangue pode talvez correr dentro de outros corações que não o meu. Leitores e leitoras talvez tenham sentido minha falta, e não é justo fazer isso com tão pacientes figuras - abençoados estes que se prestam às leituras das minhas veias. Meus caros y caras, também não é justo comigo, preciso pois deste espaço para dizer o que não digo, pensar o que não penso, cantar o que não canto e amar o que amo. Vejam vocês, que quando comecei a sangrar por aqui, sangrava porque sofria. E sofrer, meus caros y caras, é uma arte. E um vício. Mas minha ousadia não tem tamanho, e pensei que já era hora de virar o jogo. Hoje a felicidade desaba sobre mim, e não poderia haver chuva melhor. Mas o poeta só é grande se sofrer, ora!, um moço inteligente que já dizia. Um outro saltava de cantar que os poetas são feitos de corações devorados deglutidos mastigados engolidos. Pobres poetas!, então, sorte minha que sou só um ente de sílabas. Vou continuar fingindo que é amor o ardor que deveras sinto. Me assento cá neste banco, e daqui só me tiram vivo.

E eu achando que não ia ter poesia.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

estancalou.

'visto de costas,
o amor é carne viva
untado de adeus
o amor queima' 
[Ronaldo Monte]

Versei de ritos sanguinolentos o 'spaço desta versorragia. Mas eis que me encontro numa situação de violenta delicadeza e, justo agora!, a poesia resolveu me abraçar tão forte ao ponto de me inutilizar as mãos. Explicação, não há. Sem amor, só a loucura.

precisou doer assim
pra ver que o amor
não cabe em mim.








parto como quem deita sob o sol da manhã de domingo e prende a respiração, na intenção de impregnar aquele cheiro de nada nos pulmões. parto como quem foge de si mesmo dentro do larbirinto. parto como quem nunca chegou.


sexta-feira, 1 de outubro de 2010

ensaio sobre teu beijo

Tua boca brilhando, boca de mulher, 
Nem mel, nem mentira, 
O que ela me fez sofrer, o que ela me deu de prazer, 
O que de mim ninguém tira
[Caetano Veloso]

            Ando silencioso, mas a amorragia é tão intensa quanto a versorragia, e cá estou de volta a este receptáculo de coágulos poéticos.  Este ‘ensaio sobre teu beijo’ é o resultado de uma provocação feita por Paty, quando nos preparávamos para ler ‘blindness’, a tradução para a língua inglesa do ‘ensaio sobre a cegueira’, do premiado e querido escritor português José Saramago.

‘The green light came on at last, the cars moved off briskly, but then it became clear that not all of them were equally quick off the mark. The car at the head of the middle lane has stopped, there must be some mechanical fault, a loose accelerator pedal, the gear lever that has stuck, a problem with the suspension, jammed brakes, a breakdown in the electric circuit, unless he has simply run out of petrol, it would not be the first time such a thing has happened. The next group of pedestrians to gather at the crossing see the driver of the stationary car wave his arms behind the windscreen, while the cars behind him frantically sound their horns. Some drivers have already got out of their cars, prepared to push the stranded vehicle to a spot where it will not hold up the traffic, they beat furiously on the closed windows, the man inside turns his head in their direction, first to one side then to the other, he is clearly shouting something, to judge by the movements of his mouth he appears to be repeating some words, not one word but three, as turns out to be the case when someone finally manages to open the door, I am blind’.
[José Saramago]

Paty nos questionou sobre, se fôssemos obrigados a escolher, qual sentido perderíamos. Eu, honestamente, não respondi à pergunta – sou muito apegado a este pouquinho com que a natureza me presenteou. Mas, prestando novamente meus ouvidos ao ‘estrangeiro’ de Caetano Veloso, me deparei com os versos acima citados, retirados da canção ‘este amor’. E me pareceu quase errado não escrever estes versos no momento que os escrevi e entregá-los a quem os entreguei. Espero que gostem.

ficaria cego de bom-grado 
 - somente pra fazer eco a Saramago -  
e até ensurdeceria 
pois que tua música me invade os poros .


mas só quero ficar mudo 
se for tua boca 
a calar a minha. 










[não consegui achar a canção do Caetano no Youtube, mas aqui - http://tinyurl.com/2chcj3x - você pode baixar o ‘estrangeiro’ inteiro e de graça!, vai lá que o CD é tudo de bão]

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

três high-cais

‘Para quem quer se soltar
Invento o cais

Invento mais que a solidão me dá
[...]
Invento o cais

E sei a vez de me lançar

[Milton Nascimento/Ronaldo Bastos]

                Saudades de sangrar por aqui. Os últimos dias tem sido de intensa hemorragia interna, e isso tem me mantido longe da caneta e do papel – da poesia, nunca. Devidamente mergulhado no mar de sensações que me invadiram nos tempos recentes e lembrando os hai-kais deliciosos que Leminski nos presenteou quando vivo, escrevi estas três besteirinhas. Porque não tenho qualquer experiência com este gênero poético japonês, tenho até medo de dizê-los hai-kais. Não são mais que simples high-cais. Sei a vez de me lançar.

confira
tudo que respira
conspira

[P. Leminski]

                No mais, desculpo-me pelo silêncio. Pretendo calá-lo. E espero que gostem.

I
deito a cabeça no teu colo
e quero que o tempo
não passe tão logo


II
teus dedos em meus cachos
me assanham
melhor que o vento


III
cidadão descompassado
coração descompresente
amor fruturo



segunda-feira, 6 de setembro de 2010

diz, perdida

‘a partida é deixar para trás
a volta que a gente esqueceu’

[Rudá Barreto]







                Lembro-me de ter lido, anos atrás, um conto policial que tinha a estrutura do poema abaixo. O crime era contado do ponto de vista do assassino e, logo em seguida, da vítima – que era, no texto, pega de surpresa. Exaustivamente procurei entre meus livros e não consegui descobrir onde li esse diacho de conto, quem tiver notícias, por favor, deixe os créditos em forma de menarca [comentário]. Lembrando desse conto e inspirado na atmosfera de quatro belas canções – ‘Pra dizer adeus’ e ‘Canto triste’, na voz de Edu Lobo, 'Atrás da Porta', na voz de Eliz Regina, e ‘Tristesse’, nas vozes de Maria Rita e Milton Nascimento – escrevi estes cânticos de partida, 'diz, perdida'. Vale dizer que partidas são também crimes... e que sempre nos surpreendem, também. E  nos partem. Espero que gostem!







I
eu a disse, eu a expliquei
teria de dizer adeus
porque teria.
era nossa última noite que, megera,
corria corria corria corria
pediu-me que não a acordasse para despedir-se pela última vez.
contentaria-se com meu cheiro nos lençóis.
 - e nem precisava. não a despertaria, nem se me pedisse. -
os cheiros são lembranças de sonhos idos.
(e eu fingi que não existia).

II
ele me disse, ele me explicou
teria de dizer adeus
porque teria.
deitamo-nos, nus e ternos
eternos eternos eternos eternos
pedi-lhe que não me acordasse para despedir-me pela última vez.
abafaria minhas lágrimas e gritos nos lençóis que ele marcara.
 - porém, esperançosa de sua teimosia tão minha, desejei ardentemente que me despertasse, que me levasse com ele. -
minhas lágrimas lavaram as lembranças pra fora da cama.
(e a nossa existência escorreu porta afora).






As músicas cujas atmosferas me inspiraram:



 - Canto Triste, com Edu Lobo e Sérgio Godinho http://www.youtube.com/watch?v=U-EJNRZYfyE
 - Atrás da Porta, com Elis Regina 

 - Tristesse, com Maria Rita http://www.youtube.com/watch?v=OpzFnEnmm2M

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

um lance no relance



Volva, revolva
Corra, recorra
Mate, remate
Morra, renasça’
[Caetano Veloso/Pedro Novis]


Este aqui é novinho em folha, embora seja uma idéia reciclada. Me orgulha muito escrever algo que faça eco a uma música de Caetano Veloso [sim, sou desses fãs bobos]. No caso, tomei emprestada a canção ‘Relance’ [que a Gal fez o favor de nos brindar com uma versão deliciosa http://www.youtube.com/watch?v=v9sSAPUhtt0], que o Caê assina com Pedro Novis. Não tenho idéia de quem fez a letra, mas isso não importa. Em ‘Relance’, os autores brincam com a repetição e a modificação dos significados, sempre num imperativo leve. Quis, neste mais novo, brincar com a idéia de comunhão. Quem sabe não inspiro mais alguém a tentar?

pare
compare
corra
concorra
julgue
conjugue
bata
combata
teste
conteste
fira
confira
prove
comprove
suma
consuma
siga
consiga
trate
contrate
porte
comporte
mova
comova
gele
congele
funda
confunda
meta
cometa
viva
conviva
pense
compense
faça
e desconstrua.

domingo, 29 de agosto de 2010

gramaticalmente pornográficos

Oh! Sejamos pornográficos 
(docemente pornográficos).
[Carlos Drummond de Andrade]

            Dessa vez, o desafio veio de longe, no tempo e no espaço. Relendo os versos do mestre Drummond [engraçado - e feliz! - como Minas, no que diz respeito à produção artística, raramente decepciona! http://traficoilegaldemusica.blogspot.com/2010/07/19756-minas-e-geraes-milton-nascimento.html], senti que podia escrever algo que respondesse a esta aclamação. Ser docemente pornográfico, o que seria? No último post, lembrei Caetano na sua eterna ‘Tigresa’ [como é bom pode tocar um ‘instrumentu’ - http://www.youtube.com/watch?v=5tQ0dbP1DI4], e exemplos desta doce modalidade não faltam na nossa música [Chico Buarque que o diga! – ‘meu corpo é testemunha do bem que ele me faz’ http://www.youtube.com/watch?v=txLPlvkGiP4]. A pornografia e o erotismo, bem como o amor e o sexo, por serem demasiadamente humanos, são por si só contraditórios. E me foi inevitável adicionar um elemento que contrastasse ao máximo com essa humanidade toda: a língua - a portuguesa!, que embora tão humana, sabe bem negar suas vísceras no momento de puxar os pés alheios com seus gramaticismos e pasqualecismos. De qualquer maneira, espero que gozem gostem.

lamber-te a língua
tocar-te as vogais, doces ferozes
acariciar-te os sujeitos e os objetos
arranhar com minhas unhas tuas vírgulas e
num átimo de metaforismo
lenta e inevitavelmente
arrancar-te um pleonasmo.

beijar-te os apostos ansiosos
e corrigir-te os erros pornográficos
doce e drummondmente
escrever no teu corpo com o Aurélio em riste
os versos que sexonhei pra nós.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

louvação

‘de todos peço atenção
que me escutem com cuidado
louvando o que bem merece
deixo o que é ruim de lado’.

[Gilberto Gil]

                Ontem de madrugada, perguntando-me dos estilicismos poéticos, me vieram as rimas à mente. Muitas vezes, nós as tomamos como um recurso que soa ingênuo, se não for de fato bem pensado. Afinal, ‘pra que rimar amor e dor?’ [Monsueto]. Não sei se tenho moral capacidade pra rimar “futebol” e “rock’n’roll”, como fez Chico Buarque [http://www.youtube.com/watch?v=EbVm1EXbAuA], ou se tenho sensibilidade pra rimar “azul” e “instrumento”, como fez Caetano [http://www.youtube.com/watch?v=5tQ0dbP1DI4]. Ou seria “instrumentu”? Bom, essa discussão fica pra mais tarde. Mas algo que de fato me fascina é a chamada ‘rima interna’. Não por sua natureza sutil, discretíssima, mas pela terminologia. E me desafiei a rimar não sons – sons são externos! – mas idéias e olhares. Quero um feedback em forma de comentário [menarca], okay?

faço rimas bonitinhas
que agradem minhas vizinhas
canto sonhos de esperança
que acalantem a criança
poesia é quase isso
um querer de compromisso
entre o sim e o não, talvez
fazer verso em português
português, oh, sim, senhora!
(que agradem a professora)
e também já era hora
de versar o meu país
que só vive por um triz.
só que, nessa brincadeira
de poemas com porteira
me esqueci de me lembrar
que o poeta é pra chorar
sua dor com devoção
o seu ardor com paixão
seu viver de alegria
seu amor na luz do dia
obrigado!, pois lembraste
d’eu falar deste contraste:
teu olhar, tão camaleão
rima com o meu, que é só verde.

(vou me jogar passarin
no teu abraço sem fim.)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

monochrome lifes


‘Eduquem as crianças e não será preciso castigar os homens’
[Pitágoras]

            A realidade tem gosto de concreto pra boa parte da população de João Pessoa. Da Paraíba. Do Nordeste, do Brasil, das Américas e dos outros lugarejos que nos vizinham. E pensar nos últimos dez anos neste país é pensar numa caminhada iniciada, uma construção de perspectiva, embora ainda haja muito pra se fazer. E é interessante de se perguntar quem constrói isso tudo. Nossa realidade política, a que modifica nossa vida em todos os níveis, quem constrói? E quem vai construí-la quando já não estivermos mais aqui? Correndo o risco de já ter ultrapassado a fronteira de discurso brega do clichê da chatice da mesmice, eu faço coro a uma idéia que nos é colocada desde Pitágoras. As crianças vão dar continuidade a tudo isso aqui –porra! – e nós, enquanto seres humanos, que fazemos? Vou poetando, por ora.

Momento créditos: A foto que nos ilustra é do mineiro Sebastião Salgado, de fama internacional. O título ‘monochrome lifes’, fui buscar de uma composição de Yann Tiersen. Chequem-na aqui – [http://www.youtube.com/watch?v=U42F1Oo30KA]


I
sinto
falta do tempo em que as fotos eram em
preto-e-branco
falta do tempo em que as lembranças eram em
preto-e-branco
e que o futuro tinha cor de
arco-íris.

II
Estava morrendo de frio pedindo esmola na esquina.

Estava morrendo de esquina pedindo frio na esmola.
Estava morrendo de esmola pedindo esquina no frio.
Estava esquina de esmola morrendo pedindo no frio.
Estava esmola no frio pedindo morrendo de esquina.
Estava pedindo esquina morrendo de frio na esmola.
Morrendo de esquina pedindo frio na esmola, estava.
Pedindo frio na esmola estava morrendo de esquina.
Sinal verde.

sábado, 21 de agosto de 2010

são sons de sim

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde. 
Saberei porque a teia do Destino 
não houve quem cortasse ou desatasse.
[A. Suassuna]
Farei que amor a todos avivente, 
pintando mil segredos delicados, 
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente
[L. de Camões]
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
[M. de Assis]
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
[V. de Moraes]

Estes dois novinhos são frutos de um sonho antigo!, o de escrever sonetos. Esta forma fixa carregada de história sempre me fascinou, com sua métrica e esquemazinho de riminhas, tudo bem assim, bonitinho. E, honestamente, nunca achei que conseguiria! Parece que, quando você realmente quer escrever algo de certa maneira, o poema simplesmente não vem. Tem que deixar vir naturalmente, o sangue seguir seu curso natural, e quando menos se espera... sai! [os poemas são pássaros que chegam/não se sabe de onde e pousam/no livro que lês – M. Quintana] Coagulei-os entre uma aula de química e uma de literatura, mas estou com um pé atrás quanto ao conteúdo... Dos possíveis leitores, peço um possível feedback em formato de possíveis menarcas [comentários], agradecido ;)

O Andarilho

Por mares e por terras que passei
Não vim a encontrar o que queria
Países e paragens que andei
Cidades, vilarejos, nada havia

A solidão, sem alma, me sorria
A mim votava seu olhar mais torto
No agouro destes dias, não cabia
Em mim nem alegria – nem conforto!

A sombra que me assombra me condena
A este caminhar triste, vazio
A companhia horrenda de mim mesmo

E eis que o tempo corre em mim, sem pena
E andando, escrevo os versos como um rio
Chorando a correnteza, só, a esmo.

~//~

uTUpia

Uma beleza bruta como a aurora
Que vem, invade, sem pedir licença
Não diz ou cala, nem ao menos pensa
Apenas de existir, sorri e chora

Mas de que chão teria ela brotado?
Oh, de que terra teria nascido?
Caiu do céu, pluma, sem alarido
Ou veio deste solo vil, rachado?

Não sei, não ligo – não me move a mente
Contento-me de ver seu rosto puro
Que enfeita e ilumina meu cenário

Assim, posso gozar ser solitário:
Em lhe beijando as pétalas, lhe juro
Sorrir pra sempre ao ver o sol nascente.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

ando sol

‘ando só, mas não só de solidão
ando só da premissa solistência
ando só exercitando paciência
amansando potro xucro que dentro de mim mora’
Milton Dornellas

Diante de alguns desafios estilísticos propostos a mim pelo meu maior inimigo - eu - e inspirando-me na aura dos últimos dias, veio-me este 'Ando Sol'. O título, fui me inspirar no poema de Milton Dornellas, 'Solistência', recitado por ele no CD 'O Gargalhar da Invernada' [como introdução à canção homônima], que é inspirado no romance 'Grande Sertão: Veredas' de Guimarães Rosa. E, a título de registro, queria agradecer a Arthur Firmino [raulzito!] por me jogar umas idéias pra primeira parte. Inspiração em cima de inspiração, vamos a ele.

I
Adornar
A dor na dor
Ler os versos nos olhos alheios
E cantar uma canção só sua.
Em mimbriaga um gostar em gotas
Gosta gusta muita culpa
Caindo suaves em meu couro impuro.

II
a carícia do frio é muito própria
chega sem pedir
acontece sem prever
leva o pranto aos olhos
abre em mim as torneiras da saudade
num sangrar vermelho de desejo
travando-me os gostos
os gestos, as culpas.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

das miudezas

'Me disse que as coisas que não existem são mais bonitas'.
Manoel de Barros


Mergulhado nessa atmosfera pântano-barroca, e inspirado nas vistas dos últimos dias, saiu-me este 'das miudezas'. Um pouco de tudo que senti nas últimas empreitadas nas obras completas deste Manuel, incentivado por minha madre, Nara. Outro bom exemplo do sangue agindo em mim e escorrendo nestes dizeres.

onde eu nasci jamais passou um rio.
mas o rio que em imaginei era tão mais bonito
rebolava tão serpente por entre as pedras roucas
que eu nem sentia falta.


ócios do ofício
dormitar o sol sonhando
e as nuvens brincando em seus azuis.


porque a não existência das coisas
denuncia uma beleza que transcende o tudo.

sábado, 14 de agosto de 2010

Eis-me cá

‘Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas’.
Chico Buarque
                Ando meio metido a poeta, que seja. Escrevi este último, ‘Eis-me cá’, de um só fôlego, escrever-falar-cantar-pensar em Candy não dá muito trabalho, não, e de bônus ainda faz um bem danado. Esta Maria Cecília é e tem sido uma das melhores boas-surpresas que tive neste ano de doismiledez. Nunca para qualquer paladar mas, trocadilhos a parte, é mui doce quando doce. 


Eis-me cá.
I
Sou Candy
De doces na cor do ser
De dores na cor do ser
O mel da tez me abençoa as manhãs
E se eu chorar, não repare
A mim confiou-se a missão de amar como quem respira.
II
Sou Maria, sou
Maria no olhar e na história
No meu Rio seco, sangro o sol dos Brejos
Valho-me da dose mais forte, lenta
Brutalmente delicada do mar em meu nome
E se eu cantar, não repare
A mim confiou-se a missão de ser pássara em todas as luas.
III
Sou Cecília, sim
Soletro meu nome no escuro
Como se louca, como se musa
Na esperança do prazer de se permitir roubar o olhar
Acarinhando palavras, banhando idéias
Algo de céu, algo de ilha.
E se eu me for, não repare
Condenada fui a me entregar a cada suspiro.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

o que trago nas veias

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
Preciso porque estou tonto.

(Leminski)

E foi na tentativa de estancar alguns quereres que insistem em sangrar de mim que criei este espacinho, pra depositar estes coágulos de idéias. Escrevo sem pretensão de agradar, é bom frisar. Pois a maioria destes meus versos que cá residirão nem a mim agradam. São as veias abertas da minha América do Sul [south america is my name/Caetano Veloso]. Sangro porque o instante existe. E minha vida, ah...

Não sou alegre nem sou triste: Sou poeta.
(Cecília Meirelles)

                Este turbilhão, esta necessidade de dar vida a um dizer que é tão meu quanto do papel em que escrevo, é algo que vem do sangue. Não da família. E sim, da família. Mas desta língua [última flor do Lácio, inculta e bela/Olavo Bilac], felina e lânguida e qualquer coisa de Limeira. De Dôra Limeira [http://doralimeira.blogspot.com/]. E, se nada tenho desta língua-luso-américa-latim-em-pó, este Limeirismo teremos sempre em comum. Amém.

cheirar lírio
beber lírio
sugar lírio
morrer lírio
e nunca me fartar
de lirismo

(Dôra Limeira)

                Caí nesta, então, meio que acidentalmente, meio que propositalmente, meio predestinadamente [meio lua, meio pandeiro, meio trovão/Milton Dornellas]. Cumprindo os fados, num mundo de maldades e pecados [http://www.ithasnotitle.blogspot.com/], sangrando os fatos num poço de saudades e recatos.
                Abraço os meus há-braços de cada dia como quem bebe a água doce de sua própria terra, num suspiro profundo de satisfação. E assim sangro, e assim lírio. Assim delírio.

Caminhando a esmo
Como quem procura a si mesmo
Assim mesmo.

A solidão que me invade o quarto
O choro que me invade os olhos
O bolero que me invade os ouvidos

A rebelião que me transborda os poros.
(Gustavo Limeira)